Para você que se esconde
O Mês do Orgulho para uma bissexual recém-assumida
Eu não sei o que o mês do Orgulho LGBTQIAP+ significa para você.
Nos últimos anos, ele me despertou sentimentos ambíguos.
Alegria ao ver na internet fotos de casais homoafetivos; felicidade ao ver amigos e conhecidos contando suas histórias, falando de seus afetos e relacionamentos; celebração ao ver a bandeira multicolorida espalhada por vários lugares, on-line ou não.
E, ao mesmo tempo, uma mistura de medo, vergonha e solidão. O primeiro, por achar que se fosse flagrada compartilhando demais esse conteúdo colorido na minha timeline, alguém iria desconfiar. Vergonha e solidão por sentir que perdia alguma coisa em não participar daquela celebração, em não postar uma foto abraçada à minha bandeira, em não ter uma história para contar sobre um relacionamento feliz com uma pessoa do mesmo gênero que eu, em não poder falar sobre como esse mês, e o dia 28, em especial, era importante para mim.
Parte de mim vibrava com cada pessoa, conhecida ou não, que se recusava a esconder seus afetos, seus trejeitos, suas vontades de se vestir, falar, agir, comportar e amar. E outra parte de mim desejava desesperadamente ser uma delas, com toda aquela coragem e vontade de existir em um mundo onde muitos de nós são desprezados, ofendidos, agredidos e mortos por ódio.
Não é fácil ser uma pessoa fora da norma e com medo. Não foi, para mim, até muito pouco tempo atrás.
Em 2021, meu mês de junho começou com aquele clima de celebração entre meus conhecidos on-line. As indicações de livros e filmes. As correntes de fotos de casal e imagens de bandeiras das identidades contidas na nossa sigla. Participei daquelas que eu podia numa rede social em que tenho a certeza de não ser seguida por nenhum parente. Logo em seguida, veio o medo. E com ele, aquele sentimento de exclusão, de nulidade, de estar o tempo inteiro vivendo uma mentira. Numa rede social, uma pessoa livre para se oferecer para beijar (após o fim da pandemia) pessoas de todos os gêneros; na outra, uma leitora tímida, pensando em mais uma forma de encaixar vivências LGBTQIAP+ na literatura para poder fazer um post orgulhoso sem que ninguém perceba. Assim como nos anos anteriores. Na vida offline, uma pergunta: quando eu seria como os amigos que admirava por parecerem tão livres?
Em questão de alguns dias, os sentimentos ruins foram embora. O nó na garganta, o medo de conversas íntimas e perguntas diretas chegaram ao fim. Escolhi falar com duas das pessoas com quem realmente me importava que soubessem sobre minha orientação sexual. Nada mudou para elas. Ainda sou filha. Ainda sou irmã. Ainda sou amada e motivo de orgulho para minha mãe e irmão. E tudo mudou para mim, porque foi um peso enorme tirado das minhas costas.
Desde então o mês do Orgulho parece diferente. As cores que tive tanto medo de usar até mesmo em um par de meias parecem bem mais bonitas. As músicas, históricas ou recentes, que celebram nossas alegrias, parecem mais importantes. Me sinto mais motivada a escrever minha história sobre duas meninas se amando, porque tenho certeza de que outras garotas precisam dela.
Eu não sei como é o mês do Orgulho para você. Não sei se você passa noites sem dormir pensando em como a sua vida e suas relações podem mudar. Não sei se você teme ter que deixar de frequentar alguns lugares, deixar de falar com algumas pessoas. Não sei se você teme ouvir palavras que doem. Não sei se você teme sentir coisas que doem fisicamente. Não sei se você ainda está tentando entender o que acontece aí dentro. Não sei se você está tentando deixar de sentir vergonha, de se sentir uma pessoa errada, quebrada ou suja. Você não é.
Nunca gostei da ideia do armário, e sinceramente, não sei a sua origem. Eu sempre preferi a expressão se esconder, porque foi o que eu fiz durante algum tempo. Eu recuei. Deixei de fazer posts nas redes sociais sobre como era necessário respeitar pessoas LGBT, porque não podia mais falar que “apenas apoiava a causa”. Deixei de corrigir falas preconceituosas das pessoas ao meu redor. Passei a assistir filmes fechada no quarto como uma adolescente consumindo conteúdo adulto escondida dos pais. Enquanto descobria partes de mim até então encobertas pela norma, fazia o possível para disfarçá-las nos meus gestos e falas. Eu me escondi até não poder mais.
É que o esconderijo, ou o armário, muitas vezes são mencionados como lugares sufocantes de onde as pessoas desejam sair. Mas às vezes pode também parecer um lugar quentinho e seguro, para poder se aconchegar entre os casacos e cobertores e sonhar ignorando a feiura do mundo lá fora. Me esconder, para mim, foi assim por algum tempo. E se também foi para você, eu só quero dizer que respeite isso. Não se force a algo sem estar pronte. E eu torço para que ninguém te empurre para fora do esconderijo.
Para você, que se esconde, eu desejo que tenha conforto enquanto for possível. Desejo que se esconder te dê tempo de se conhecer e compreender. De se ver como uma pessoa. Não como um erro ou algo estranho e indesejável.
Eu não sei se o esconderijo dói para você. Não sei se é um lugar apertado, abafado, assustador. Se for, eu realmente sinto muito. Desejo que você possa conhecer também outros lugares, ver que alguns são bonitos e acolhedores e que, sim, dá pra se sentir bem e falar e agir como você deseja sem se preocupar com o que vão dizer.
Estou apenas conhecendo o mundo fora do meu esconderijo. Sentindo como é o ar do lado de fora. Experimentando um pouco da liberdade que eu sempre quis.
Eu sei que o mundo é assustador quando se vai um pouco mais longe. Eu sei, existe ódio. Eu sei, não dá para ser livre o tempo todo. Ainda não. Mas um pouquinho de liberdade é uma das melhores coisas que já senti. E eu espero que você também possa sentir um dia. No seu tempo. Mas, enquanto se esconde, saiba que você não tem motivos para se envergonhar.
Com amor,
Uma pessoa que acaba de sair de seu esconderijo.